segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Esquerdas de Fortaleza, uni-vos! - Parte I

ESQUERDAS DE FORTALEZA, UNI-VOS! PARTE I Eduardo Martins Barbosa Fortaleza, 07 de setembro de 2020. 198º ano do Grito do Ipiranga e 26º do Grito dos Excluídos APRESENTAÇÃO “Esquerdas de Fortaleza, uni-vos!”, é um pequeno estudo que estou desenvolvendo baseado no livro “Esquerdas do mundo, uni-vos!” do Prof. Boaventura de Souza Santos. O texto está sendo escrito em etapas e escolhi o dia 07 de setembro para divulgar a primeira parte deste estudo. Participo de diversas redes sociais e coletivos políticos autônomos que se tornaram espaços de vivos e acalorados debates virtuais, nesta inusitada, complexa, desafiante e instigante conjuntura política no contexto da pandemia da Covid19. Estas novas formas de organização política da sociedade surgem, em grande parte, devido à insuficiência das ambiências dos partidos políticos de esquerda para a reflexão mais livre e aprofundada dos desafios desta segunda década do século XXI. Faço esse registro na condição de petista desde 1981, portanto histórico e enquadrado na categoria dos jurássicos. Me situo no campo político que pretende que o PT elabore e implemente estratégias capazes de apontar para a superação do capitalismo, considerando a sua forma neoliberal global contemporânea, apostando na construção de uma democracia pujante, frente às ameaças da expansão neofacista e totalitária impulsionadas pelas forças políticas militarizadas, de extrema direita e direita no mundo, expressas no Brasil pela emergência do bolsonarismo. Este meu estudo insere-se na prática da análise da conjuntura política que venho realizando a muito tempo. De início e guardadas as devidas proporções, registro dois significativos eventos políticos no final de 2020 – as eleições presidenciais americanas e as eleições municipais brasileiras. No processo das primárias americanas o surgimento de um movimento de esquerda, expresso em diversas candidaturas do Partido Democrata, com destaque para o senador Benier Sanders, mesmo sem alcançar um êxito direto, e os recentes e persistentes movimentos antiracistas são importantes elementos conjunturais a serem observados. No contexto brasileiro é evidente a incapacidade da oposição democrática e de esquerda de impor uma derrota ao bolsonarismo, seja por meio do impeachment ou da pressão para a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. A fragmentação em diversas candidaturas em praticamente todas as capitais e nas grandes cidades onde as eleições são disputadas em dois turnos é, até o momento, a evidência mais destacada pelos cientistas e analistas políticos nas suas observações sobre o processo político eleitoral em curso. Neste contexto, as discussões sobre frentes, sejam elas sociais, políticas, partidárias ou eleitorais foram se desenvolvendo e a histórica dificuldade da unidade da esquerda voltou a ser um tema recorrente neste debate. Assim a necessidade do meu próprio preparo para participar das discussões internas, no PT e nos coletivos e redes em que estou inserido, aliadas ao gosto pelo planejamento estratégico, me levaram a leitura do livro “Esquerdas do mundo, uni-vos!” do Prof. Boaventura de Souza Santos e posteriormente ao desenvolvimento do estudo. Fiz a leitura detalhada desta pequena e interessante obra com os olhos e as inquietudes da conjuntura política marcada pela Pandemia da Covid-19 e as eleições municipais de 2020. Partindo da ideia que é possível aprender com as experiências da esquerda em outros contextos, resolvi elaborar esta pequena contribuição ao debate atual, a partir desta reflexão do autor, que também se enveredou pela análise de conjuntura, que ele mesmo registra não ser o foco principal da sua produção acadêmica, conforme vemos a seguir: “Tenho preferência pelas questões de fundo, coloco-me sempre numa perspectiva de médio e longo prazos e evito entrar nas conjunturas de momento. Neste livro, sigo um ponto de vista diferente: centro-me na análise da conjuntura de alguns países – e é a partir dela que apresento questões de fundo e me movo para escalas temporais de médio e longo prazos”. (BSS.p.7/8) Ele ressalta que o texto foi concluído no início de fevereiro de 2018 e destaca que para a edição brasileira “escrevi uma longa introdução sobre a encruzilhada em que, em minha opinião, se encontra a democracia do país.” A eleição de Bolsonaro é o desfecho trágico que vivenciamos no final de 2018. Nesta primeira parte vou me dedicar a análise de um dos elementos da profunda derrota sofrida pela esquerda, de certa forma antecipada pelo autor. Voltando a ideia de aprender com os outros e destacando que este texto não é um artigo de ciência política, mas simplesmente uma reflexão pessoal para o debate nos espaços onde estou inserido, preciso também esclarecer que o mérito principal deste artigo não é meu, mas do autor a quem recorri para fundamentar as minhas reflexões e análises, a partir deste convite às “aprendizagens globais” que ele nos faz: “Num mundo cada vez mais interdependente, tenho insistido na necessidade de aprendizagens globais. Nenhum país, cultura ou continente pode hoje arrogar-se o privilégio de ter encontrado a melhor solução para os problemas com que o mundo se confronta e muito menos o direito de a impor a outros países, culturas ou continentes. A alternativa está nas aprendizagens globais, sem perder de vista os contextos e as necessidades específicas de cada um. Tenho defendido as epistemologias do Sul como uma das vias para promover tais aprendizagens – e de o fazer a partir das experiências dos grupos sociais que sofrem nos diferentes países a exclusão e a discriminação causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado. Ora, as necessidades e as aspirações de tais grupos sociais devem ser a referência privilegiada das forças de esquerda em todo o mundo, sendo as aprendizagens globais um instrumento precioso nesse sentido.” (BSS.p.8/9) Procurando uma forma didática de fazer essa aprendizagem, decidi separar minhas reflexões e escritos em partes, levando em conta a própria dinâmica do processo político eleitoral em curso. “Esquerdas de Fortaleza uni-vos! – Parte I” é um pequeno texto que espero ser útil para os companheiros e companheiras que compartilham muitos sonhos comuns nos diversos espaços como a Rede de Comitês Populares pela Democracia/Veleiro Vermelho/Programa Café com Democracia, Movimento Democracia Participativa/WebRádioTV Atitude Popular/Programa Democracia no Ar, Coletivo Amanhã Há de Ser Outro Dia, Coletivo Mandacaru, Movimento Fé e Política, Coletivo Girassóis Espíritas pelo Bem Comum, Rede Ceará de Comunhão, Rede EcoCeará e outros. Por fim, dedico este estudo a todas as pessoas que fazem minha existência neste espaço/tempo ser uma experiência ímpar. METODOLOGIA Resolvi inserir este item para ressaltar que essa minha contribuição é simplesmente um exercício de leitura atenta, pequenos recortes copiados do original, sempre registrados em “Calibri itálico 10” e identificados no final com a forma (BSS. p._) e alguns poucos comentários e análises de minha autoria procurando contextualizar a contribuição do Prof. Boaventura (leitura da conjuntura em fevereiro de 2018) para a conjuntura política brasileira, com foco em Fortaleza, tendo como referência o dia 07 de setembro de 2020. Neste sentido, destaco a ressalva do autor, logo no prefácio: “Dada a natureza da reflexão e da análise feitas, muito do que está escrito aqui (neste texto concluído no início de fevereiro de 2018) talvez não tenha atualidade alguma dentro de meses – ou mesmo semanas. A utilidade dele pode estar precisamente nisso, no fato de proporcionar uma análise retrospectiva da atualidade política e do modo como ela nos confronta quando não sabemos como vai se desenrolar. E também pode contribuir para ilustrar a humildade com que as análises devem ser feitas e a distância crítica com que devem ser recebidas. Talvez este livro possa ser lido como uma análise não conjuntural da conjuntura.” (BSS.p.8) O texto que ora disponibilizo, embora siga o ordenamento do livro, foi estruturado na forma de tópicos escolhidos, recortados e numerados pela relevância por mim identificada durante a leitura do livro, tendo como referência maior a experiência de constituição da Geringonça Portuguesa. Do prefácio trouxe o conceito de esquerda e da introdução selecionei os desafios. Do capítulo 1 – “O novo interregno”, não selecionei nenhum tópico para esta primeira parte. Do capítulo 2 – “As forças de esquerda perante o novo interregno”, trouxe as quatro premissas identificadas no item – “A articulação entre forças de esquerda – o caso português”. Deste mesmo capítulo me dediquei com mais afinco ao estudo do item “Qual é o significado mais global dessa inovação política? Onze teses para articulações limitadas entre forças políticas de esquerda”. A título de conclusão desta Parte I do estudo procurei apresentar alguns elementos sobre um possível “Acordo Geral de Procedimentos” e sobre potenciais “Acordos Programáticos Progressivos e Detalhados”, todos no que chamei de “Contexto Alencarino”. DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO “Esquerdas de Fortaleza uni-vos! – Parte I” é um pequeno texto que trata diretamente do potencial posicionamento das lideranças partidárias de esquerda no processo político-eleitoral de 2020 em Fortaleza, caso a intervenção eleitoral, unificada, coordenada ou articulada, fosse um objetivo central ou ao menos relevante. Conceito de Esquerda Na discussão sobre “Frente de Esquerda” e “Frente Ampla” a definição sobre quais forças políticas e partidárias de âmbito nacional estão no campo de esquerda e quais não são de esquerda, mas devem compor a frente ampla é um ponto chave. Aqui neste texto adotamos a formulação proposta pelo Prof. Boaventura: “De partida, devo tornar claro o que entendo por esquerda. Esquerda é o conjunto de teorias e práticas transformadoras que, ao longo dos últimos 150 anos, resistiram à expansão do capitalismo e aos tipos de relações econômicas, sociais, políticas e culturais que ele gera e que, assim, procederam na crença da possibilidade de um futuro pós-capitalista, de uma sociedade alternativa, mais justa, porque orientada para a satisfação das necessidades reais das populações, e mais livre, porque centrada na realização das condições do efetivo exercício da liberdade.” (BSS.p.8) A aplicação prática deste conceito para a realidade de Fortaleza não foi desenvolvida nesta primeira parte do estudo. Será o objeto central de uma outra parte que estou redigindo. Os Dois Desafios, as Quatro Premissas e as Onze Teses Aplicadas no Contexto das Eleições 2020 em Fortaleza Este conjunto de elementos estudados e comentados compõem uma unidade de análise pois estão intimamente relacionados. Para efeito didático eles foram tratados e estão sendo apresentados individualmente. Os Dois Desafios Os dois desafios fazem parte da introdução à edição brasileira “A democracia brasileira na encruzilhada” que originalmente se divide nos seguintes tópicos: i) A conjuntura eleitoral, ii) O Brasil profundo, iii) A intervenção imperial, iv) Resistência e alternativa e v) Os desafios. Boaventura faz uma interessante apresentação do dilema democrático vivenciado pela sociedade brasileira depois de 30 anos de vivência democrática instituída pela CF88. “O primeiro tem algo de dilemático, porque implica agir como se a democracia estivesse funcionando com mínima consistência, sabendo de antemão que não está. A democracia funciona segundo a lógica de processos certos para a obtenção de resultados incertos. A constituição regulamentar de partidos, os sistemas e as leis eleitorais, o funcionamento de instâncias de controle dos processos de disputa política, a liberdade de expressão, o acesso à informação e à comunicação, tudo isso são processos que devem funcionar com grande regularidade e certeza, ou seja, para que possa ganhar A ou B, para que não se saiba de antemão o resultado, independentemente do comportamento dos eleitores; enfim para que não seja possível ganhar sempre nem perder sempre.” (BSS. p.20/21) Ainda tratando deste primeiro desafio ele identifica uma crescente incerteza dos processos democráticos em todo o mundo devido a três fatores fundamentais: i) manipulação pelos monopólios midiáticos, ii) financiamento extremamente desigual das campanhas eleitorais e iii) corrupção em geral. E conclui que “A incerteza dos processos é promovida para conseguir resultados certos, ou seja, a vitória dos candidatos apoiados. Essa inversão da relação entre processos e resultados é fatal para o futuro da democracia”. (BSS. p.21). O autor avança na análise deste desafio na situação concreta do Brasil, mas estes elementos não são o foco desta primeira parte do estudo. Passo, portanto, para o segundo desafio que é a tradicional fragmentação da esquerda. “E ainda há outro, não menos rigoroso. As forças de esquerda têm estado tradicionalmente fragmentadas, divididas por múltiplas diferenças, as vezes tão profundas que implicam transformar forças de esquerda rivais em inimigos principais. Por razões que se explicam pelo passado, mas que serão suicidas num futuro caracterizado pelo perigo da sobrevivência da democracia, as esquerdas não tem sabido distinguir entre diferenças reais e pragmáticas, suscetíveis de acomodação e negociação, e diferenças ideológicas que, por vezes, assumem a forma de cismas dogmáticos muito próximos dos que no passado dividiram as religiões e levaram a lutas fraticidas. Este livro é um modesto contributo para que este último desafio seja enfrentado com sucesso, na certeza de que, se o não for, a democracia acabará por soçobrar. Nesse caso, as forças de esquerda serão as primeiras vítimas, e todas por igual, independentemente das divisões que agora as tornam tão diferentes”. (BSS. p. 22/23) As Quatro Premissas nos Acordos entre as Esquerdas Portuguesas e entre as Esquerdas Alencarinas Seguindo o roteiro proposto, este tópico foi tratado originalmente pelo autor nas páginas 42 e 43 e inicia-se com a seguinte constatação: “A inovação desses acordos consistiu em várias premissas”: O procedimento adotado neste artigo foi estabelecer um quadro comparativo entre o que foi chamado de “Premissas Portuguesas” e as possíveis “Premissas Alencarinas”, estas últimas como propostas preliminares para o debate entre as forças da esquerda cearense. Premissa 01 Enunciado: Os acordos eram limitados e pragmáticos e estavam centrados em menores denominadores comuns com o objetivo de possibilitar um governo que impedisse a continuação das políticas de empobrecimento dos portugueses que os partidos de direita neoliberal tinham aplicado no país. (BSS. p.42) Considerações e Indicativos: Para a situação de Fortaleza, também proponho acordos centrados em menores denominadores comuns com o objetivo de impedir que as forças bolsonaristas e milicianas abrigadas nos partidos de extrema direita, direita e centro-direita, conservadores e neoliberais assumam o governo municipal para aplicar suas políticas na capital cearense. A constituição de uma mesa de convergências e controvérsias e um programa mínimo comum, são dois instrumentos propostos para o início da montagem dos acordos mais abrangentes. Premissa 02 Enunciado: Os partidos mantinham ciosamente sua identidade programática, suas bandeiras, e tornavam claro que os acordos não as punham em risco, porque a resposta à conjuntura política não exigia que fossem consideradas, muito menos abandonadas. (BSS. p.42) Considerações e Indicativos: Esta é uma premissa fundamental no quadro partidário local, pois a histórica pulverização da votação para a Câmara Municipal gera um desafio enorme para cada partido manter a sua representação, ainda mais com a proibição das coligações proporcionais a partir deste pleito de 2020. A efetivação da cláusula de desempenho a partir de 2021 também é fator de busca de fortalecimento individual de cada partido nestas eleições. Importante ressaltar que a regra em vigor desde 2018 define que a partir destas eleições só podem ser eleitos aqueles candidatos a vereador que tiverem votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral (divisão do total de votos válidos da eleição pelo número de vagas). Neste contexto eleitoral com tantas novidades legais, a proposta é que cada partido mantenha ciosamente sua identidade programática e suas bandeiras, garantindo que os acordos a serem celebrados não as ponham em risco, pois a conjuntura política exige o fortalecimento e a democratização dos partidos políticos de esquerda. Premissa 03 Enunciado: O governo devia ter coerência e, para isso, devia ser da responsabilidade de um só partido, e o apoio parlamentar garantiria sua estabilidade. (BSS. p.42) Considerações e Indicativos: No sistema de governo brasileiro instituído pela CF88 e suas alterações, tem-se para o âmbito municipal o que pode ser chamado de “Prefeituralismo de Coalizão”. A construção da governabilidade parlamentar é certamente um ponto crítico central a ser tratado nos acordos de construção de unidade. A governabilidade parlamentar condiciona fortemente a composição do secretariado municipal e se estende para o complexo e intricado sistema de cargos de confiança disseminado em toda estrutura administrativa. Áreas de excelência e de mediocridade gerencial podem ser observadas simultaneamente, tanto do ponto de vista setorial, como territorial. A adoção do conceito da gestão democrática por resultado é uma necessidade imperiosa na busca da coerência qualificada da gestão municipal. Premissa 04 Enunciado: Os acordos seriam celebrados de boa-fé e acompanhados e verificados regularmente pelas partes. Os textos dos acordos constituem modelos de contenção política e detalham até o pormenor os termos acordados. (BSS. p.42) Considerações e Indicativos: Os acordos serão celebrados de boa-fé e acompanhados e verificados regularmente pelo sistema de governança do acordo. As Onze Teses nos Acordos entre as Esquerdas Portuguesas e as propostas preliminares para um possível Acordo entre as Esquerdas Alencarinas Seguindo a metodologia utilizada, estruturei nesta primeira parte do estudo um conjunto de quadros reflexivos, partindo do enunciado de cada tese elaborada por Boaventura de Souza Santos e elaborei um pequeno texto contendo considerações e indicativos referentes a cada tese, no sentido de oferecer um conjunto de propostas preliminares para subsidiar a elaboração do possível acordo entre as esquerdas alencarinas. Para facilitar a discussão tomei a iniciativa de organizar as 11 teses em 04 blocos a saber: A) Teses sobre a natureza dos acordos e pressupostos para a sua construção; B) Teses sobre a identidade de esquerda; C) Teses sobre o processo democrático e D) Teses sobre a dinâmicas dos acordos. Bloco A – Teses sobre a natureza dos acordos e pressupostos para a sua construção Tese 01 Enunciado: As articulações entre partidos de esquerda podem ser de vários tipos, nomeadamente, podem resultar de acordos pré-eleitorais ou pós-eleitorais, podem envolver participação no governo ou apenas apoio parlamentar. Sempre que os partidos partem de posições ideológicas muito diferentes, e se não houver outros fatores que recomendem o contrário, é preferível optar por acordos pós-eleitorais (porque ocorrem depois de medir pesos relativos) e acordos de incidência parlamentar (porque minimizam os riscos dos parceiros minoritários e permitem que as divergências sejam mais visíveis e disponham de sistemas de alerta conhecidos dos cidadãos. (BSS. p.44) Considerações e Indicativos: No contexto brasileiro desta eleição municipal, a constituição de frentes políticas, de diversas natureza e composição, é um debate em aberto. No sentido de ajudar na organização do debate proponho a construção de um Acordo Geral de Procedimentos e Acordos Programáticos Progressivos e Detalhados, considerando as seguintes etapas: E1) Pré 1º Turno, E2) Campanha no 1º Turno, E3) Pós Primeiro Turno/Campanha de 2º Turno, E4) Fase Pós Eleitoral/Composição do Governo e E5) Exercício de Governo e Governabilidade Parlamentar e Extraparlamentar. Tese 02 Enunciado: As soluções políticas de risco pressupõem lideranças com visão política e capacidade para negociar. (BSS. p.44) Considerações e Indicativos: O Ceará vem desenvolvendo e consolidando uma ambiência política bastante propicia ao diálogo e a negociação. Nesse contexto geral favorável, as lideranças de esquerda têm, potencialmente, visão política e capacidade para negociar. Proponho uma sistemática de adesão individual e institucional de dirigentes, parlamentares, pré-candidatos e lideranças da sociedade civil ao processo proposto, expressando o interesse de negociar e construir os acordos. Tese 03 Enunciado: As soluções inovadoras e de risco não podem sair apenas da cabeça dos líderes políticos. É necessário consultar as “bases” do partido e deixar-se mobilizar pelas inquietações e pelas aspirações que manifestam. (BSS. p.45) Considerações e Indicativos: A consulta as “bases” pelos partidos de esquerda elencados neste trabalho, ocorre em menor ou maior grau, mas no geral é restrita e determinada pelos sistemas de democracia representativa interna a cada partido. Aqui é preciso aplicar o princípio de democratizar a democracia partidária. Neste sentido a proposta é construir rapidamente mecanismos simplificados de consulta digital para democratizar a construção dos acordos, tendo em visa a impossibilidade de eventos presenciais para discussão ampla e aberta sobre os temas em debate. Bloco B – Teses sobre a identidade de esquerda Tese 04 Enunciado: A articulação entre forças de esquerda só é possível quando é partilhada a vontade de não articular com outras forças, de direita nem de centro-direita. Sem uma forte identidade de esquerda, o partido ou a força de esquerda em que tal identidade for fraca será sempre um parceiro relutante, disposto a abandonar a coligação. A ideia de centro é, hoje, particularmente perigosa para a esquerda, porque, como espectro político, ele se tem deslocado para a direita por pressão do neoliberalismo e do capital financeiro. O centro tende a ser centro-direita, mesmo quando afirma ser centro-esquerda. É crucial distinguir entre uma política moderada de esquerda e uma política de centro-esquerda. A primeira pode resultar de um acordo conjuntural entre forças de esquerda, enquanto a segunda é consequência de articulações com a direita que pressupõem cumplicidades maiores, que a descaracterizam como política de esquerda.1 (BSS.p.45) Considerações e Indicativos: Avalio que esta tese é a mais crítica para a esquerda brasileira em geral e a cearense, em especial. A busca pela governabilidade parlamentar pelos governos nacionais liderados pelo PT, por meio de coalizações amplas se repetem no Ceará nos dois Governos Cid Gomes e nos dois Governos Camilo Santana. Com o Golpe de 16 e a vitória nacional do Bolsonarismo em 2018 estabelece-se uma nova polarização mais extremada, diferente da polarização PSDB X PT. A proposta dos acordos aqui esboçados parte da necessidade de proteção e fortalecimento da democracia, da resistência local ao desmonte neoliberal no plano nacional e à necessidade de fazer avançar as políticas públicas de cunho democrático e popular. Tese 05 Enunciado: Não há articulação nem unidade sem programa e sem sistemas de consulta e de alerta que avaliem regularmente o seu cumprimento. Passar cheques em branco a qualquer líder político no seio de uma coligação de esquerda é um convite ao desastre. (BSS. p.46) Considerações e Indicativos: A definição de um programa mínimo unitário de esquerda para a capital tem uma excelente referência que é a Plataforma Fortaleza 2040. A definição do compromisso em torno dos avanços que serão necessários e possíveis para o período 2021/2024 é um ponto chave. O sistema de consulta e de alerta proposto pelo autor tem no Observatório de Fortaleza uma boa referência para o conjunto das forças de esquerda convidadas para a construção da ação unitária no contexto atual. Mas este observatório é de toda sociedade e assim se faz necessário criar um organismo comum do bloco de esquerda e a proposta é que este instrumento seja estabelecido pelas Fundações dos partidos políticos envolvidos na construção dos acordos e por outras organizações ou instituições da sociedade civil do mesmo campo político que tenham esse mesmo propósito. Tese 06 Enunciado: A articulação é tanto mais viável quanto mais partilhado for o diagnóstico de que estamos num período de lutas defensivas, um período em que a democracia, mesmo a de baixa intensidade, corre sério risco de ser fortemente limitada, se não ilegalizada. (BSS. p.46) Considerações e Indicativos: A revisão do diagnóstico em função da pandemia é uma necessidade urgente. No processo de atualização do diagnóstico do Fortaleza 2040, proponho a definição de um “Núcleo Consensual” e o registro dos pontos divergentes de cada força ou partido político. O balanço entre a força nacional e local do bolsonarismo e a força da esquerda no Nordeste, no Ceará e em Fortaleza, em especial, precisa ser muito preciso para a esquerda não sofrer uma derrota estratégica na capital alencarina. 1 Neste domínio, a solução portuguesa se oferece a uma reflexão mais aprofundada. Embora constitua uma articulação entre forças de esquerda e eu considere que configura uma política moderada de esquerda, a verdade é que contém, por ação ou por omissão, algumas opções que implicam cedências graves aos interesses que normalmente são defendidas pela direita. Por exemplo, no domínio do direito ao trabalho e à saúde. Tudo leva a crer que o teste da vontade real de garantir a sustentabilidade da unidade das esquerdas está no que for decidido nessas áreas no futuro próximo. Bloco C – Teses sobre o processo democrático Tese 07 Enunciado: A disputa eleitoral precisa ter credibilidade mínima. Para isso, deve assentar-se num sistema eleitoral que garanta a certeza dos processos eleitorais de modo que os resultados da disputa eleitoral sejam incertos. (BSS. p.46) Considerações e Indicativos: O sistema eleitoral brasileiro ainda conta com a credibilidade mínima para a sociedade exercitar a disputa eleitoral. O preceito democrático “processos certos para garantir resultados incertos” está em plena vigência, no contexto da formação econômica capitalista brasileira. Entretanto, pontos críticos relacionados às práticas de manipulação das plataformas sociais por meio de robôs, aliadas à disseminação de fake news e a influência do poder econômico nas campanhas eleitorais são desafios para a efetividade da justiça eleitoral. Tese 08 Enunciado: A vontade de convergir nunca pode neutralizar a necessidade de eventualmente divergir. Consoante os contextos e as condições, pode ser tão fundamental convergir como divergir. Mesmo durante a vigência das coligações, as diferentes forças de esquerda devem manter canais de divergência construtiva. Quando ela deixar de ser construtiva, o fim da coligação estará próximo. (BSS. p.46) Considerações e Indicativos: Garantir espaço para divergências levando-se em conta a cultura política brasileira e as configurações dos governos de coalizão ampla, vigentes na atualidade, é um desafio e tanto. A construção da unidade das esquerdas em Fortaleza no contexto de ataque à democracia pelas forças de direita, inclusive com perfil político militar, traz a necessidade de aprofundar o debate sobre os limites dessas divergências, ou seja, qual a linha divisória entre a divergência construtiva e a divergência destrutiva. Será certamente um trabalho paciente e meticuloso a ser realizado tendo como referência uma questão a ser respondida de forma recorrente pelas esquerdas em todas os seus matizes: O que nos une? É, sem dúvida, uma forte mudança da cultura política predominante entre as forças de esquerda. Tese 09 Enunciado: Num contexto midiático e comunicacional hostil às políticas de esquerda, num contexto em que notícias falsas proliferam, as redes sociais podem potencializar a intriga e a desconfiança e as chamadas de capa contam mais que conteúdos e argumentações, é decisivo que haja canais de comunicação constantes e eficazes entre os parceiros da coligação e que equívocos sejam prontamente esclarecidos. (BSS. p.46) Considerações e Indicativos: A consciência que a comunicação é uma das maiores fragilidades das esquerdas é o primeiro passo para o enfrentamento do problema. Diversas iniciativas recentes das organizações democráticas e populares e dos partidos políticos vão neste sentido. Do ponto de vista de construção dos acordos para a unidade das esquerdas, sugiro como uma primeira medida a elaboração de uma carta compromisso estabelecendo os marcos da comunicação ética entre as forças, partidos e lideranças, definindo claramente os canais de comunicação e os tipos de mensagens necessárias para a garantia da qualidade e da presteza das comunicações, vitais para o fortalecimento da unidade das esquerdas. Bloco D – Teses sobre a dinâmicas dos acordos Tese 10 Enunciado: Nunca esquecer os limites dos acordos, quer para não criar expectativas exageradas, que para saber avançar para outros acordos ou romper os existentes quando as condições permitirem políticas mais avançadas.2 (BSS. p.47) Considerações e Indicativos: Esta tese tem, por um lado, o mesmo sentido do princípio da precaução aplicado à proteção do meio ambiente. A proteção da democracia passa pela capacidade real do sistema político gerar soluções concretas para a população, por meio de políticas públicas voltadas prioritariamente para as populações mais vulneráveis. Por isso a precaução com os limites dos acordos. Para se chegar a um determinado acordo é necessário identificar claramente os interesses em jogo, ou seja, as diferenças, as controvérsias e os interesses em conflito, a partir das posições dos diversos atores envolvidos no jogo democrático. Cada acordo representa a superação daqueles aspectos conflitivos por meio do entendimento político a partir das regras democráticas estabelecidas. Mas a própria vida em sociedade recoloca indefinidamente novos conflitos e um determinado acordo pode se esgotar e exigir novos acordos a partir dos avanços alcançados. A forte desigualdade social brasileira e fortalezense, em particular, exige o cuidado para não se propagar a ideia que os acordos vão resolver de imediato e num passe de mágica os problemas estruturais historicamente constituídos e, ao mesmo tempo, não tolher o processo de negociação de um novo acordo, na medida que as condições políticas permitam um novo patamar de soluções para os conflitos existentes. Tese 11 Enunciado: No contexto atual de asfixiante doutrinação neoliberal, a implementação de alternativas, por mais limitadas, têm, quando realizadas com êxito, além do impacto concreto e benéfico na vida dos cidadãos, um efeito simbólico decisivo que consiste em desfazer o mito de que os partidos de esquerda-esquerda só servem para protestar e não sabem negociar nem muito menos assumir as complexas responsabilidades de governança. Esse mito foi alimentado pelas forças conservadoras ao longo de décadas, com a cumplicidade da grande mídia, e tem hoje a reforçá-lo o poder disciplinar global que o neoliberalismo adquiriu nas últimas décadas. (BSS. p.47) Considerações e Indicativos: Avaliamos que a experiência em curso no Ceará desde 2006, de governos de coalização ampla, liderados pela esquerda moderada enquadra-se muito bem nesta tese. O poder disciplinar global do neoliberalismo é fortemente sentido por meio da pressão das elites locais sobre o governo e da própria vigência de um modelo de desenvolvimento baseado na política de incentivos fiscais para atração de capital externo, de outras regiões do país e de outros países, estabelecido ainda no final do século XX. Embora avanços evidentes em alguns setores, com destaque para a educação, a manutenção da forte desigualdade econômica e social e a dificuldade de redução efetiva da pobreza e da extrema pobreza ainda são marcas fortes da realidade cearense. O delineamento de um novo percurso para o desenvolvimento do Estado ainda está em processo de construção. A Plataforma Ceará 2050 procurou tratar desse tema, mas no meu modo de ver, ainda fortemente alinhada com a perspectiva neoliberal global. A pandemia da Covid19 lança novos desafios neste debate. CONCLUSÃO Acordo Geral de Procedimentos e Acordos Programáticos Progressivos e Detalhados Conforme proposto nas considerações e indicativos da Tese 01, foram elencadas as seguintes etapas: E1) Pré 1º Turno, E2) Campanha no 1º Turno, E3) Pós Primeiro Turno/Campanha de 2º 2 No caso português, os detalhados acordos entre os três partidos revelam bem o caráter defensivo e limitado das políticas acordadas. Na União Europeia, as imposições do neoliberalismo global são veiculadas no dia a dia pela Comissão e pelo Banco Central Europeu. A resposta dos partidos de esquerda portugueses deve ser avaliada à luz da violenta resposta dessas instituições europeias às políticas iniciais do partido Syriza, na Grécia. A solução portuguesa visou criar um espaço de manobra mínimo num contexto que prefigurava uma janela de oportunidade. Recorrendo a uma metáfora, a solução portuguesa permitiu à sociedade portuguesa respirar. Ora, respirar não é o mesmo que florescer; é tão só o mesmo que sobreviver. Turno, E4) Fase Pós Eleitoral/Composição do Governo e E5) Exercício de Governo e Governabilidade Parlamentar e Extraparlamentar. Para este momento de Pré 1º turno estão sendo propostas algumas ferramentas básicas para composição de um ambiência favorável à construção dos acordos. As Ferramentas para a Construção dos Acordos Progressivos A construção dos acordos progressivos exige um conjunto de espaços e procedimentos em três esferas complementares e interligadas. Estes espaços, do ponto de vista sociológico estão sendo trabalhados tendo como referência o conceito de arena3, segundo a formulação de Norman Long (2001) em “Sociologia do Desenvolvimento”. Neste sentido foram concebidas as seguintes ferramentas: 1. A Mesa de Convergências e Controvérsias, 2. A Plataforma de Convergências e Controvérsias e 3. Os Comitês Temáticos de Convergências e Controvérsias A Mesa de Convergências e Controvérsias Esta ferramenta situa-se no plano estratégico e a iniciativa da sua constituição formal deve ser resultado de negociações preliminares entre lideranças políticas atuantes nos coletivos políticos autônomos, nas organizações classistas e nos movimentos sociais e as lideranças institucionais dos partidos políticos de esquerda, atuantes nas funções de dirigentes partidários, parlamentares e gestores públicos. Uma pequena coordenação executiva consensuada entre este grupo inicial cuidará da organização das rodadas de negociação a serem efetivadas. A Plataforma de Convergências e Controvérsias Esta ferramenta digital a ser criada vai organizar os grandes temas políticos, objetos sobre os quais vão ser organizadas as convergências e as controvérsias, tendo como referência a construção de um programa mínimo comum. Ou seja, começar de imediato pelo consenso mínimo. E mapear o conjunto das controvérsias e deixá-las explícitas para o conjunto da sociedade, ressaltando ainda o compromisso entre forças políticas de tratarem democraticamente as divergências mapeadas na Mesa de Convergências e Controvérsias. Os Comitês Temáticos de Convergências e Controvérsias Definidos os grandes temas a serem trabalhados na plataforma, serão criados comitês temáticos auto-organizados para se debruçarem sobre as problemáticas diagnosticadas, com uma abordagem técnico-política-gerencial aprofundada das opções e caminhos estratégicos apontados pelas diversas linhas políticas que conformam o amplo campo político da esquerda, identificando para cada tema/subtema a interface social4 existente, seguindo a conceituação de Norman Long (2001) em “Sociologia do Desenvolvimento”, ou outra abordagem acordada pelos comitês. Na medida que o processo de construção dos acordos progressivos for avançando, vai-se conformando uma Agenda Futura de Governo. 3 As arenas são espaços onde têm lugar as disputas sobre recursos, demandas, valores, assuntos, significados e representações: isto é, são os locais de luta que aí se dão e que atravessam os domínios. 4 Uma interface social é um ponto crítico de intersecção entre os mundos de vida, campos sociais ou níveis de organização social onde é mais provável localizar descontinuidades sociais baseadas em discrepâncias em valores, interesses, conhecimento e poder”