quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Crise Global do Capitalismo, Eleições Municipais, o PT e a Transição Socialista

Contribuição ao debate sobre as eleições municipais de 2012

A realização do Fórum Social Temático – Cidades Sustentáveis, espalhado em quatro cidades do Rio Grande do Sul, proporcionou um intenso debate sobre o papel das cidades e dos governos, em especial os governos municipais de esquerda, nos rumos da superação da crise global do capitalismo.

Na condição de militante do Núcleo de Base Américo Barreira do PT Fortaleza e sintonizado com este debate internacional, apresento algumas idéias para a discussão sobre as eleições municipais de 2012 para a nossa capital e para as cidades do interior do Ceará, fazendo um vínculo com o papel do PT e a retomada do tema do socialismo na atualidade.

O Partido dos Trabalhadores, na sua trajetória de 32 anos a completar no dia 10 de fevereiro, vem acumulando uma experiência política fundamentada no seguinte tripé: inserção nos movimentos sociais, ocupação dos espaços de poder no parlamento e exercício administrativo no poder executivo, nas três esferas de governo do Estado Federativo brasileiro. O modo petista de fazer política na sociedade, de legislar e de governar vem se constituindo em um legado fundamental para a esquerda brasileira e internacional neste período histórico do final do século XX e início do século XXI.

A crise global do capitalismo, processo em curso nas suas entranhas a algum tempo, irrompe e se torna visível em setembro de 2008, com a quebra do Banco Lehman Brothers, em Wall Street, coração e intestino do setor financeiro do sistema capitalista internacional.

O enfrentamento da crise divide o mundo em duas grandes estratégias aplicadas nacionalmente, cada uma delas com certo grau de coordenação política supranacional. Europa, Estados Unidos, Japão e outros países asiáticos adotam a opção estratégica de salvamento dos grandes bancos, rígidos controles dos gastos públicos, desmonte das conquistas do Estado do Bem Estar Social, enfim, a antiga e amarga receita do FMI, bem conhecida por nós brasileiros nos idos dos Governos do PSDB. Por outro lado, diametralmente oposto, Brasil, Rússia, Índia e China (BRICs), África do Sul e a grande maioria dos países da América Latina governados por partidos de esquerda fazem a opção política estratégica de apostar e se apoiar na força dos povos, investindo em fortes processos de inclusão econômica e social de milhões de pessoas. Este movimento é realizado por meio de programas de transferência de renda, de ampliação do mercado de trabalho e de significativos investimentos em infraestrutura social, mas também em infraestrutura para a dinamização dos processos de circulação do capital no espaço nacional, visando taxas mais elevadas de crescimento do PIB, capazes de permitir a distribuição social e territorial da renda e a sustentação do processo de desenvolvimento econômico nacional.

Este embate foi delineado em 2003 na resolução partidária que afirmava: “Vivemos hoje um período de transição, de duração incerta, nos cabe construir uma alternativa pós-neoliberal. A superação do neoliberalismo no plano das idéias, mas, sobretudo, por meio de alternativas concretas, é de fundamental importância para clarificar nosso horizonte pós-capitalista, hoje obscurecido pelos impasses do pensamento e das práticas do socialismo.” Socialismo Petista, 2003. p.5 (grifo meu).

No Brasil e com expressiva exposição internacional, esse processo foi capitaneado, em termos partidários, pelo PT, sendo o Presidente Lula, com seu carisma e liderança popular o grande articulador e condutor dessa opção política estratégica implementada nas eleições presidenciais de 2002. A relação entre o processo eleitoral e o socialismo foi assim expresso pelo partido: “A vitória eleitoral do nosso candidato em 2002 levou o PT para o governo, e o Partido passou a viver a experiência de ser Governo num país capitalista, numa sociedade de classes, em que o poder não é só o político, mas também o poder econômico, o da mídia e o militar. O sonho de uma nova sociedade, superior à ordem capitalista vigente, diante das enormes tarefas de ser governo, levou a que nossos militantes, dirigentes e líderes maiores tomassem consciência de que a conquista de uma Nação soberana e democrática é parte integrante da luta pelo socialismo em nosso país. Socialismo Petista, 2003. p.5 (grifo meu)]

A viabilidade política deste caminho estratégico foi baseada no modelo institucional denominado “Presidencialismo de Coalização”, instituído pela Constituição Federal de 1988 e ratificada pelo Plebiscito de 1993. Para isto o PT fez um movimento de ampliação do seu arco de alianças partidárias em direção aos partidos do centro e à direita do fragmentado espectro partidário brasileiro, repetindo-se esta opção estratégica na reeleição do Presidente Lula em 2006 e na eleição da Presidenta Dilma em 2010.

No Ceará este movimento iniciou-se em alguns municípios do interior, sendo Sobral a maior referência, mas não se verificou em Fortaleza na eleição de Luizianne Lins em 2004. No plano estadual esta estratégia foi aplicada na coligação formada para disputar as eleições de 2006, resultando na primeira eleição do Governador Cid Gomes e no inicio da desconstrução da hegemonia do PSDB no Ceará. Nas eleições municipais de 2008, a estratégia de coligação ampla também é aplicada pelo PT em Fortaleza e outras cidades do interior, registrando-se, entretanto, coligações mais restritas em alguns municípios, a exemplo de Quixadá. Em 2010 consolida-se no Estado esta estratégia, resultando na reeleição do Governador Cid Gomes e na conclusão da desconstrução da hegemonia tucana com a eleição do petista José Pimentel e do peemedebista Eunício Oliveira para o senado e a conseqüente derrota do ex-governador Tasso Jereissati.

Nas eleições municipais de 2012 o PT vai procurar manter esta construção estratégica como opção primeira de consolidação dos espaços de poder conquistados anteriormente, como é o caso de Fortaleza, ficando a estratégia de coligações mais a esquerda restrita às situações excepcionais.

Partindo do pressuposto acima apresentado, nós militantes petistas precisamos nos fazer algumas perguntas, no sentido de ampliarmos o debate interno considerando prioritariamente o cenário local da disputa política, mas vinculando-o aos cenários estadual, nacional e internacional. Isto é necessário pois esta é a primeira eleição municipal que o PT enfrenta no contexto de permanência e de possível aguçamento da crise global do capitalismo. E como já sabemos, épocas de crise são também momentos de abertura de oportunidades para grandes transformações.

Ampliarmos o debate político significa primeiramente não ficarmos somente especulando sobre o nome do companheiro que vai ser indicado pela executiva do partido para ser apresentado aos partidos aliados e referendado pelo diretório municipal. Normalmente o PT não se restringe a esse procedimento, a exemplo do PT Fortaleza que promoveu recentemente um ciclo de debates abrangendo diversos temas relevantes para a militância e para a população da cidade. A discussão sobre o modo petista de governar e legislar também é retomada neste momento de eleições municipais.

Entretanto, aproveitando a oportunidade da campanha eleitoral deste ano acontecer no bojo da crise global do capitalismo, dirijo este artigo principalmente aos militantes e dirigentes partidários que estão inseridos diretamente nos mais diversos tipos de organizações populares que lideram a luta social no Brasil e em especial no nosso Ceará.

Primeiro posso afirmar, com pouca margem de erro, que há uma compreensão clara por parte da grande maioria deste conjunto de lideranças petistas da necessidade histórica da opção estratégica pelas coligações amplas, que resultam em Parlamentos hegemonizados pelos representantes do capital, mas com muitas vozes em defesa das causas democráticas e populares. Resultam também em Governos de Coalização com abertura para o diálogo, a reconstrução do Estado e a implementação de políticas públicas voltadas para a maioria da população, mas também fiadores de um acordo interclassista viabilizador da retomada da expansão capitalista em um formato pós-neoliberal. Posso também afirmar que a maioria tem plena consciência e começa a ficar incomodada e inquieta com os limites que essa opção estratégica impõe ao avanço da luta popular na construção e implantação do projeto histórico da classe trabalhadora brasileira, do qual o PT é um dos principais instrumentos.

Por outro lado, a crise global do capitalismo evidencia, principalmente na Europa, que as conquistas alcançadas no contexto do Estado do Bem Estar Social não estão indefinidamente asseguradas pelo modo de produção capitalista. O evidente desmonte desse modelo de organização social na Europa permite romper com o bloqueio ideológico que se formou após a queda do Muro de Berlim, no campo da esquerda em geral e na esquerda européia em particular, sobre o socialismo como alternativa ao capitalismo.

Na América Latina existe um ambiente mais propício a este debate, com variações significativas entre os diversos países. Da leitura desta conjuntura internacional o PT definiu recentemente sua linha política do seguinte modo: “Neste cenário de crise mundial, cabe ao Partido dos Trabalhadores, bem como às demais forças de esquerda do Brasil e da América Latina, aprofundar seu compromisso com outra visão de mundo e com outro modelo de desenvolvimento, reafirmando a defesa da construção do socialismo. A crescente hegemonia da esquerda, na região, torna possível proteger nossos países dos efeitos da crise e da disputa; participar da disputa global contra o modelo neoliberal; e, inclusive, construir um caminho para a construção de uma alternativa ao próprio capitalismo.” Resolução do 4º Congresso do PT, 2011. P.9 (grifo meu)

Entretanto precisamos considerar a complexidade da formação social brasileira na atualidade e a forma como o PT, coligado com outros partidos de esquerda, alcançou o governo central do país. Estes dois elementos da realidade aparecem como obstáculos quase intransponíveis para a retomada do debate mais direto sobre o socialismo neste momento das eleições municipais.

Contudo é necessário e possível abrir o debate tendo como ponto de partida a Resolução Política aprovada no IV Congresso Nacional Extraordinário do PT, em setembro de 2011 que apresenta em linhas gerais o que o partido quer construir: “Como socialistas democráticos, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo, a ser construída democraticamente com o povo brasileiro, que esteja à altura de sua dignidade e de sua esperança, que promova a liberdade para todos, a soberania popular em regime de pluralismo, que universalize a condição plena e em igualdade dos cidadãos e das cidadãs, que seja multi-étnica, que seja solidária com todos os povos oprimidos do mundo, que saiba construir novos modos de organizar a vida social para além da mercantilização do capital, da exploração social e da predação da natureza.” Resolução do 4º Congresso do PT, 2011. P.19 (grifo meu).

A Resolução trata também dos requisitos para viabilizar estas diretrizes programáticas nos próximos anos: “Um tal programa de civilização requer a construção histórica de um novo Estado democrático, republicano e popular no Brasil. Esta conquista só é possível em um quadro de um amplo e profundo ascenso dos partidos de esquerda, progressistas e democráticos, e dos movimentos sociais. Este ascenso apoia-se no fortalecimento estrutural das classes trabalhadoras e de seus direitos, promove a formação de uma maioria eleitoral sob a liderança da esquerda, dinamiza a formação de uma consciência pública afim aos valores do socialismo democrático, e, por fim, constrói uma rede de comunicação social capaz de expressar e dar voz pública plural a este bloco histórico.” Resolução do 4º Congresso do PT, 2011. P.19 (grifo meu).

Do ponto de vista prático, precisamos considerar que um conjunto significativo de lideranças partidárias estão institucional e pessoalmente enredadas e de certo modo manietadas pelos acordos políticos interclasses estabelecidos na conformação das coligações amplas e é necessário reconhecer que algumas destas lideranças já não se alinham com as concepções socialistas. Neste contexto, cabe às lideranças de base do PT vinculadas à luta social e a perspectiva socialista romper os muros que contém esta discussão, trazendo para a agenda de debates o tema da transição socialista.

Porque o tema “transição socialista” e não “revolução socialista”. Pode-se argumentar que isto não passa do velho debate entre reforma e revolução. Em parte isto é verdade, pois o novo contexto histórico de crise global do capitalismo, das revoluções no mundo árabe e dos recentes e inovadores movimentos na Europa e nos Estados Unidos recolocam esta questão. Entretanto, a meu ver, no Brasil, avançarmos na conceituação e na definição das estratégias de transição socialista é uma mediação necessária e urgente no contexto atual dos governos de coalizão ampla que devem se reproduzir como resultado do processo eleitoral de 2012.

Didaticamente, para respondermos individualmente e coletivamente, uma questão com três alternativas de resposta pode nos ajudar nesta reflexão. Segue a pergunta: “Como podem ser consideradas as conquistas civilizatórias alcançadas pelo bloco democrático-popular liderado pelo PT, expressas tanto nas políticas públicas de inclusão social, de distribuição de renda e de participação cidadã, como nas inúmeras experiências socioeconômicas comunitárias de base, bem como nas diversas formas organizativas nacionalmente articuladas, de forma hierárquica, a exemplo do movimento sindical ou em redes, tal qual o movimento de economia solidária?”

Seguem as alternativas de resposta:

a) somente uma nova forma de gestão mais democrática do capitalismo;
b) experiências pontuais e restritas que não podem ser consideradas como embriões ou sementes da transição socialista;
c) sementes da transição socialista que foram historicamente plantadas, germinaram e estão sendo cuidadosamente cultivadas e necessitam serem semeadas e cultivadas em larga escala.

Se você concorda com a alternativa “c”, então está na hora de você se juntar a nós que fazemos o Núcleo de Base Américo Barreira e participar do movimento interno do PT, de construção do que estamos chamando do “modo petista de fazer a transição socialista”.

A construção do “modo petista de fazer a transição socialista” está intimamente vinculado à discussão do modelo de desenvolvimento que se quer para o Brasil. Na prática podemos dizer que três modelos coexistem: o neoliberal, o desenvolvimentista e o desenvolvimento sustentável e solidário. Politizar o debate eleitoral na perspectiva socialista é fazermos a vinculação entre o modelo de desenvolvimento sustentável e solidário e o modo petista de fazer a transição socialista.

Esta iniciativa pode ser realizada dentro da tendência partidária ou do movimento social que você participa e pode também estar aliada ao movimento de retomada da organização dos núcleos de base do nosso partido. Há a algum tempo tomamos a decisão de incentivar este prática nos bairros de Fortaleza e iniciamos a organização da “Rede de Núcleos de Base do PT”, para incidirmos nos rumos do nosso partido.

O nosso objetivo é debater e por em prática a seguinte resolução partidária: “0 3º. Congresso do PT reafirma os conceitos e posições sobre o socialismo petista definidos pelo 1º. Congresso do PT e pelo VII Encontro Nacional, agregando aos mesmos o conceito de sustentabilidade sócio-ambiental, redefinindo o socialismo petista como socialismo democrático e sustentável.” Socialismo Petista, 2003. p.12. (grifo meu).

Fortaleza, 01 de fevereiro de 2012
Eduardo Martins Barbosa
Militante do Núcleo de Base Américo Barreira

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